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Fim do relacionamento

  • Foto do escritor: Karoline Pereira
    Karoline Pereira
  • 8 de abr.
  • 6 min de leitura

Como habitar, depois que tudo se desfaz?


No final do ano passado eu mudei de casa. Mais uma vez. Já era pra eu ter me acostumado, afinal, nos últimos dez anos da minha vida, eu morei em 7 casas diferentes. Quase uma mudança por ano. Contudo, todas as mudanças traziam a sensação de estar indo para frente, seguindo adiante, em busca de um lugar melhor do que o anterior, nova vida, novos ares, progresso. E eu ia, feliz, na maioria das mudanças, habitar um novo lugar.


Me tornei quase uma especialista em encaixotar e desencaixotar as coisas. Um prazer íntimo, de uma mente que busca a ordem por onde olha. Um deleite para meu jeito de ser, aquela que coloca tudo no lugar, sem descanso até ver todas as caixas vazias e prontas para o descarte. Ah, que prazer ver tudo no lugar! Que delícia pintar esse quadro que eu chamava de lar. Os toques finais, as decorações, os quadros, as plantas, todas as coisas que eu chamava de minhas, nossas coisas. Aqueles objetos que significam algo somente para mim, que só pertencem ao meu universo, a minha história. Uma história compartilhada sim. Coisas minhas, coisas nossas, coisas delas. Nossa vida, organizada em cômodos, armários, prateleiras…


A minha última mudança não foi assim. Não foi seguir adiante, não era avanço, não havia progresso. A ilusão chegou a fim. Era o fim. O fim de tudo que eu acreditava, de tudo que eu imaginava que a minha vida poderia ser. Esvaziada. Oca. Sem uma ilusão para sustentar a minha dura realidade. A despedida de coisas, lugares, de um jeito de ser. Com uma única certeza: eu dou conta! Eu sempre dou conta! E não havia outra opção, eu tinha que dar conta, por mim e por minha filha.


Encaixotei as minhas coisas. Era o fim do relacionamento. O fim do meu casamento.


Eu separei o que era nosso e transformei em meu. Desmontei uma casa, desmontei um lar. Desmontei uma ilusão. E eu me desmontei inteira.

Plantas no quintal

Uma nova tela para ser pintada, branca e laranja. O laranja que por meses me deixava descontente. Por que tanto laranja, meu Deus! Como eu posso ter escolhido essa casa com esse piso tão laranja?! Mas a parede do fundo do quintal era cheio de verde, cheio de plantas. E era essa frase que vinha sempre me lembrar o porque da escolha da casa com o piso laranja.


Como de costume, eu arrumei a casa no mesmo dia da mudança. Quase tudo no seu devido lugar, mas com tanta coisa ainda a ser guardada. Foi a mudança em que eu levei uma semana para dar fim a todas as caixas. Mesmo com ajuda, eu não conseguia terminar. E mesmo depois de tudo estar no seu devido lugar, eu segui achando coisas para arrumar. E eu nunca estava satisfeita, a casa parecia nunca estar pronta. E, meu Deus, não tô suportando esse laranja! Preciso de verde, algo em mim gritava! Mais plantas, eu pensava. Mas onde vou colocar mais plantas, não há espaço para nada mais.


Segui, semanas, meses tentando dar conta de tanto laranja. Tão pouco verde eu pensava. Até sentar de frente com a parede do fundo do quintal e por fim, me acalmar aos poucos. Olhando para as plantas, escutando o barulho agradável do vento chacoalhando as folhagens. Só assim, eu conseguia minimamente ocupar esse novo lugar. Um lugar meu, com as minhas coisas. Só minhas. Só eu e as coisas que eram nossas transformadas em minhas.

Horta residencial

A ilusão era tão forte. Era tão potente. Mas era tão solitária! Sim, vivi coisas lindas, morei numa casa linda, parecia ter sido feita exatamente para mim, para a minha família. Eu plantei cenoura, beterraba, quiabo, tomatinho, limão e ervas. Eu colhia direto do jardim. Um quintal cheio de verde. Para onde eu olhasse, havia arbustos, plantas, folhas, flores. Era o ápice da minha ilusão. E eu fiquei lá, seduzida pelo meu próprio mundo, inebriada, vivendo sozinha, achando que estava vivendo uma vida compartilhada, que estava vivendo a minha ideia de família de forma plena. Mas eu sabia, no fundo eu sabia que não era do jeito que eu sonhava. Era um sonho, não era a realidade.


E não estou dizendo que não era bom, porque foi bom, em muitos momentos. Contudo, não era sustentável. Não se sustentou. E daí que colhi beterrabas, cenouras, tomates e quiabos? Se havia tanto mais a ser cultivado, coisas que não se podia plantar na terra, regar e assistir crescer no seu devido tempo… Mas que precisavam desse mesmo tipo de cuidado diário e constante: regar, podar, replantar, adubar e assistir crescer.


Morremos


Entrei na minha nova casa. E me era tudo estranho. Laranja demais, branco demais. Tudo era demais e nada do que eu fazia bastava. Não importa o quadro, a planta, a decoração, nada bastava para me fazer sentir que esse era meu lar.

Eu não me via ali, mesmo sabendo que tudo estava do jeito que eu achava que deveria estar. As coisas não eram minhas. Eram nossas coisas em lugares separados.

Tão pouco era somente meu. A ponto de sentir que quase nada me pertencia. Ah que dor! Doía olhar em volta e não me ver em lugar algum. Onde é que eu fui parar?


A busca por mim era constante e uma batalha perdida. Sempre a derrota. A única certeza. Nenhuma vitória. Dias que se arrastaram e eu lutando para fazer dar certo. A desesperança tomando conta, a tristeza fazendo pano de fundo e a completa ausência de uma imagem que me desse algum contorno naquele chão laranja que me engolia dia após dias. Mas eu tinha que dar conta. Sucumbir a minha completa inexistência não era uma opção.


Eu me via, nua e crua, toda vez que olhava para minha filha. Eu me via em seus olhos, em suas birras, em suas explosões e na contagem das horas para ela dormir e eu não ter mais que me ver refletida nela. A busca incessante para ter algum refúgio, algum respiro de ter que me olhar a cada hora do dia sem pausas. "Eu não dou conta! Mas eu preciso dar". Era o diálogo constante em minha mente.

Eu não sabia como habitar esse novo lugar. Eu não sabia como eu poderia me aquietar. Então, eu só fiquei. Eu me tranquei em casa. Me afundava no sofá nos dias em que estava sem a minha filha. Um misto de alívio e uma saudade dilaceradora. Uma lembrança concreta da nova vida que se desenhava. A delícia de ter tempo só para mim e o desespero do não saber o que fazer comigo nesse tempo sem ela. Então eu só fiquei. Fiquei na minha casa. Fiquei com o piso laranja sob meus pés e o verde diante dos meus olhos. O corpo pedia por pausas, a mente buscava coisas para arrumar. E não havia mais nada a ser mexido, mudado ou trocado de lugar. Eu me vi, diante da minha casa, organizada até demais, sem ter o que fazer. Com tempo para maratonar séries.


Com tempo para me ocupar inteiramente de mim mesma.

E hoje, agora, que pertenço a minha casa, que o laranja já não me incomoda mais, eu entendi o que estava acontecendo comigo. Era meu processo de habitar a mim mesma, de ocupar os espaços que ficaram vazios. De começar a perceber minha nova forma, de começar a conhecer minhas bordas e as minhas fronteiras. Eu não planto beterrabas, cenouras, quiabos ou tomates mais. Não tenho mais ervas no jardim. Eu sinto falta. Mas eu estou inteira outra vez. Mais enraizada em mim, mais habitada por mim. Mais tranquila e serena. Mais firme e bem posiciona. E o mais importante de tudo, sóbria. Olhando para o mundo com mais nitidez, sem tanta interferência de ilusões ou expectativas. Deixando os dias correrem e as coisas acontecerem com poucas intervenções. Eu me sinto em paz. Livre. Sem precisar me agarrar em ilusões para dar conta da minha vida.


Eu estou enraizada. Habitando a mim mesma. Com pés no chão, olhar atento e o coração abrigado.



Esse é um relato da minha separação. Fiquei casada por quase 6 anos, mas estávamos juntas num total de 10 anos. Eu não acredito que nenhuma separação seja tranquila, por mais amigável e bem acordado o casal esteja. Separação é o final de um ciclo, de uma relação. Viver a vida sem aquela pessoa ao lado pode ser libertador, mas pode também ser um monte de outras coisas, sejam elas boas ou ruins. Nos reencontrarmos enquanto pessoa separada daquela outra, pode também ser um desafio. Dar conta do fim de algo que pensamos que poderia ser para o resto de nossas vidas também não é algo simples. Eu não estou atravessando esse momento sozinha, faço meu acompanhamento e tive muito suporte da minha família e amigos. E isso fez o processo ser um pouquinho mais leve. Então, se você não quiser atravessar momentos difíceis sozinha, eu estou por aqui.


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