Solidão na maternidade - Relato de uma mãe
- Karoline Pereira
- 13 de jun. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 19 de nov. de 2024
Esse é um relato de como eu senti a solidão na maternidade. Olívia, na época em que escrevi esse texto, tinha um ano de idade. Um ano apenas. Um ano em que eu gradualmente fui me isolando e me deprimindo. Não só pela chegada dela, mas também pela chegada dela. Não por causa da Olívia, mas por causa das renúncias, da constante entrega, do cansaço e do trabalho imenso que é cuidar de uma vida tão dependente. Mas também pelas minhas escolhas, pela minha crença de que eu era capaz de fazer tudo igual eu fazia antes de me tornar mãe. E eu fui capaz de fazer quase tudo. Mas me custou muito.

Foram duas ou três semanas em que eu me percebia muito desconectada de tudo. Eu me sentia deprimida. Não era triste, angustiada. Era deprimida. Daquele jeito que o mundo se torna meio cinzento, a comida parece papel e as atividades diárias são feitas no modo automático… Havia uma boa dose de mau humor, que saia em doses homeopáticas para cima daqueles que estão perto de mim, eu incluída nesse ciclo absurdamente restrito de pessoas. Sim, eu estava muito sozinha.
Na segunda semana, o mau humor se transformou em rompantes de lágrimas incontroláveis que teimavam em jorrar, nos piores momentos e pelas coisas mais idiotas, como não ter feijão ou cenoura no mercado. Sim, chorei quase descontroladamente por não achar feijão e cenoura, tenham compaixão… Eu, com toda minha jornada de autocuidado e meu engajamento exemplar num processo terapêutico de mais de 4 anos, sabia que havia algo muito desorganizado e que eu jamais choraria por feijão e cenoura.
Eu estava assim. Chorando todos os dias. Por coisas aleatórias. Confundindo compromissos, perdendo tempo e junto com tudo isso, acreditava cegamente que eu estava perdendo minha capacidade de pensar com clareza e de resolver coisas simples como uma lista de compras do mercado. Foi quando eu comecei a pensar que precisava de um psiquiatra. Sim, eu queria um remédio, qualquer coisa que me tirasse daquela sensação desesperadora de que nada, absolutamente nada, iria mudar. Que todos os dias eu iria acordar e ser a mesma pessoa. E continuar sentindo uma solidão crescendo dentro de mim.
Tudo que eu fazia era função. Cuidar da Olívia, brincar com a Olívia, cozinhar, pagar contas, pensar no que falta, brincar, limpar, sair, distrair a criança, tudo se tornou função. Eu não suporto viver assim. Sem conseguir estar presente, sem conseguir encontrar sentido nas coisas que faço. Eu me vi questionando a vida que estou levando, o que eu realmente desejo e as respostas todas eram: não é nada disso aqui. Aí a culpa veio massacrando.
Dói dizer que não queria viver aquela vida, sendo que 90% do meu dia são coisas para a minha filha. E nada tem a ver com a existência dela. Eu precisava entender que o que eu não queria viver era a minha falta de presença. Aí eu lembrava do psiquiatra, do meu desejo por algo que me tirasse dessa angústia, mas algo dentro de mim dizia: você já sabe que esse não é o caminho. É o caminho mais fácil. Foi então que eu decidi pedir uma sessão extra para minha terapeuta.
O caminho mais fácil…
Fiquei com essa frase a semana inteira. Rodeando minha cabeça. Contextualizando tudo que eu fazia. Até de forma um pouco ruim, como por exemplo: é mais fácil dar a chupeta do que levar mais tempo para consolar um choro. Pode parecer cruel, mas vale refletir. Não a chupeta em si, mas a velocidade em que desejamos resolver algo que nos aflige. Eu me vi caindo nessa armadilha. Eu queria uma solução rápida para uma questão que precisa de tempo e cuidado, não remédio.
Quantas vezes remediamos algo que requer cuidado? Eu sentia uma dor na região da lombar há pelo menos 3 anos. Fiz um passeio de canoa, há um mês atrás, com um casal de amigos e quando acordei no dia seguinte percebi que não tive dor. Eu tomava Dorflex quase que dia sim e dia não, para não acordar no meio da noite com a dor. Bastou um dia na canoa e a dor foi embora. Eu entendi. Estava na hora de voltar a me exercitar. E comecei. Depois de duas semanas, quase não sinto mais a dor.
Porque estou falando disso? Porque tomar Dorflex não resolvia. Mas me exercitar sim. Eu preciso cuidar e não remediar. Cuidar requer tempo, requer dedicação, observação, repetição e uma dose absurda de paciência. Quando minha filha cai e machuca, preciso de calma e tranquilidade para poder consola-la. Um dia ela caiu da cama. Foi desesperador, mas eu consegui ficar tão tranquila que em menos de 5 min consegui acalma-la. Outro dia ela se engasgou, fiz a manobra de desengasgo, ela seguiu chorando, peguei ela e andei pela casa explicando o que aconteceu, gradualmente o choro foi cessando e logo ela voltou a comer.
Cuidado exige tempo e paciência.
Olívia me ensina isso todo santo dia. Todo dia ela me lembra que precisamos de tempo e paciência para cuidar. Precisei suportar por quatro dias. Quatro dias eu esperei, aguentei, chorei e suportei. Me sentia terrivelmente sozinha no mundo. Comecei a contar nos dedos quantas pessoas realmente fazem parte da minha vida. Foi aterrorizante. Comecei a contar quantos amigos desapareceram, ou até mesmo romperam comigo. Mais solidão. A sensação de não haver uma única pessoa que eu pudesse encontrar para me ajudar a ver a vida de novo me esmagava silenciosamente, todo santo dia. É isso que chamam de solidão materna?
E pouca gente entende. A verdade é essa. Pouca gente está realmente disponível para acolher ou até mesmo para acalmar. É sempre uma resposta rápida, uma proposta para solucionar o problema, algo que vai te “tirar” desse lugar que quase ninguém quer entrar junto. Eu me vi cansada, exausta de respostas rápidas, de propostas de solução, de ouvir que vai passar e etc. Desconexão e mais desconexão. Portanto, mais solidão.
Paradoxalmente, me percebia exponencialmente melhor quando eu ficava de fato sozinha. Quando Olívia dormia e eu não tinha que atender a mais nenhuma demanda de absolutamente ninguém, eu encontrava um respiro, uma energia extra aparecia. E tudo o que eu queria era desfrutar do silêncio que só encontramos na solidão. Foi assim que minha sessão extra com minha terapeuta terminou.
Eu descobri que, por mais esmagadora que possa ser, a minha solidão também pode ser muito confortante. Lembrar que sou capaz de ser minha própria companhia e ter um tempo para poder me ouvir sem interrupções é um prazer que, ouso a dizer, pouca gente conhece. Até porque, encontrar conforto na solidão, significa aceitar que estamos mesmo sozinhos. E, sexta, fiz as pazes com minha solidão, o que não significa que não dói. Ainda dói não poder encontrar alguém que realmente queira estar comigo e ouvir o que eu tenho para dizer. Até porque, hoje, gosto mesmo é de falar sobre minha filha e tudo o mais que a maternidade envolve. Mas, vez ou outra, sinto saudades das minhas outras facetas.
“Calma”.
A voz da minha terapeuta ecoa na minha cabeça. Era só disso que eu precisava. Alguém que me pegasse no colo e me acalmasse. Quase do jeito que faço com minha filha nos momentos de angústia, frustração ou dor. Agora, consigo pensar com clareza e tenho a tranquilidade para olhar para minha solidão e cuidar. Com paciência e tempo. Chega de solução rápidas. O mundo já é veloz demais para qualquer adulto. Para pessoas que cuidam de bebes, o mundo é avassalador e muitas vezes, violento demais. Não dá para cuidar com pressa. E disso, não quero mais me esquecer.
Se você, que está aqui lendo, estiver se redescobrindo após a entrada na maternidade (seja gestando ou com o filho em seus braços) saiba que é um processo tão singular e tão íntimo que muitas vezes nos faz sentirmos uma completa estranha para todos, inclusive para nós mesmas. E é terrivelmente solitário. O sentimento de solidão na maternidade é comum, mas é experimentado de formas diferentes por cada um. Para mim, a terapia foi apoio indispensável, especialmente porque eu estava longe de todos que eu conhecia, em uma cidade nova. Mas sei que podemos nos sentir muito sozinhas cercada de pessoas. Então, se quiser alguém para conversar ou sentir que precisa de apoio, pode me chamar. Um abraço!





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